quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Necessidade da Sátira

Desde que o mundo é mundo, desde a profissão mais antiga, desde Adão e Eva, desde Caim e Abel, o ser humano precisa da sátira. Não o ser humano comum, que crê que as coisas têm nexo, estabilidade e coerência. Que crê no acerto do mundo. Mas o desajustado, aquele que toma a sério aquilo que o ensinaram na escola e nas aulas de catequese. Aquele que toma a sério os preceitos morais e, indignado, assiste o fantástico espetáculo do mundo, dos poderosos e dos não tanto, onde a dupla face, o cinismo, a falsidade são a única e constante regra. Sim, a boa moral, aquela que tantos afirmam seguir, que tantos acusam os outros de transgredir, a boa moral parece existir tão-somente para ser desvirtuada, corrompida e desvalidada. E é exatamente essa dualidade, essa hipocrisia que o autor satírico revela.

Repito. O ser humano precisa da sátira. Ele não sabe disso, mas precisa. Aliás, ele parece ter uma opinião contrária à minha. Odeia, indigna-se, grita contra a sátira. Muito desagradável é assistir alguém apontar as vilezas que se procura desesperadamente esconder. Mas o ser humano precisa da sátira como o doente precisa de seu amargo remédio. Precisa para destronar suas altivas pretensões. Precisa para demonstrar suas verdadeiras finalidades. Precisa para denunciar suas novas formas de atrocidades. É, ser humano, seus defeitos são muitos, seus feitos ainda pequenos, e sua ambição, desmedida... Reconheco que, algumas vezes, em você há uma centelha de gênio, mas, no grosso, a mediocridade impera. Só não há mediocridade no mentir. Este reina soberano. E o autor satírico vem gritar que o rei está nu.
Como faz o autor satírico o seu ofício? Por meio da ironia. Dizer uma coisa e signicar a contra-coisa. Dizer que lindo o seu cabelo, significando que porcaria é essa na sua cabeça. Todos têm o seu momento irônico, mas, para o autor satírico, a ironia deve ser o pão de cada dia, deve ser a lente com que vê o mundo, as pessoas, suas relações, seus achaques e sua sublime banalidade. A visão deve ser outra. Deve ser a visão irônica. Constante e atenta. Inquieta e única. O autor satírico, depois de anos de experiência desse tipo de visão, pode encontrar a sandice, perdendo a razão. É um risco. Um risco constante da profissão.
Mui normalmente, o satírico é acusado de ódio contra a humanidade. Será realmente ódio? Não será apenas amor não correspondido? Frustração de expectativas? Pode ser tudo isso ao mesmo tempo. Na verdade, no seu íntimo, o autor satírico sente-se traído, desprezado e pisado pela humanidade. Humanidade que, assim pensa o autor satírico, poderia tanto, que tem tantos predicados, mas que... E, com persistência de uma mula, tenta mudar alguma coisa...
Mas será a sátira realmente um remédio? Resolve todos os problemas? Mostra a direção? Se o fizesse, deixaria de ser um satírico para se tornar um... político - no bom sentido da palavra, se ainda o há, nestes tempos conturbados.
O único intuito, quer seja por meio da hipérbole, quer seja por meio de propostas estapafúrdias, quer seja por meio acusações, ou por qualquer outro meio, o único intuito do autor satírico é denunciar! É apresentar os problemas e acusar os culpados!
Quando o autor satírico apresenta propostas sérias, ele, nesse momento, não está sendo autor satírico, mas, simplesmente, um cidadão.
E na terra onde um autor não pode exprimir seus pensamentos livremente, bem nesta terra há uma tirania.

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