segunda-feira, 6 de junho de 2011

Quer atingir o Nirvana? Pega um carro e encare o trânsito…

Meus amigos, por natureza, sou um cara pacato, tranquilo e do bem, como dizem por aí. Se me xingam na rua, eu penso: “Talvez, eles tenham razão…” Se me esbarram enquanto sossegado faço o meu caminho, eu penso: “Puxa! Que chato! Eu fiquei no caminho deles. Peço desculpas”. Se me respondem atravessado quando peço alguma orientação, eu penso: “Vai ver ele ou ela está estressado ou estressada. Outra hora eu peço uma orientação mais condizente…” Então, eu sempre mantenho paciência quando estou a pé. A pé, caminhando, com meus pés empurrando o chão, minha panturrilha começando a queimar, eu sou o cara mais pacato, do bem e tranquilo do mundo. Mas quando eu pego um carro…

Parece, leitor, aquela transformação que ocorre entre Bruce Banner e Hulk. Ou, mais clássica, a que ocorre entre Dr. Jekyll e Mr. Hyde… Em um momento, um pacato cidadão. No outro, um monstro devorador… A transformação é ainda mais acelerada quando estou atrasado. É só tocar na porta do carro, sentar-me no banco do motorista e colocar a chave na ignição que… O bom-mocismo desaparece. Não há espaço para piedade.

O negócio é correr. O negócio é marcar o seu território. O negócio é estar por cima. Ou melhor, na frente. É xingar os adversários – porque, para um motorista nervoso, os outros motoristas são adversários reais e imediatos, e não apenas potenciais. O negócio é mostrar quem é que manda, é dar fechadas nos desobedientes, é encurralar os otários e passar por cima dos retardatários.

Isso também ocorre com você, leitor? Parece que é um instinto de dominação antiquíssimo que nos domina. Parece que somos impelidos ao desrespeito e à ira, quando estamos atrás do volante.

Todo mundo revoltado, em ira e com pressa.

Velocidade é a regra dos motoristas impacientes. A pressa é a sua desculpa. Se alguém se meter na frente de um motorista impaciente devidamente munido com um possante, cuidado!

Agora, leitor, imagine que uma velhinha, daquelas já curvadas pela idade, com as pernas trêmulas, essa velhinha mesmo que você imaginou, imagine-a atravessando a rua, na faixa de pedestres, quando o sinal está vermelho (por que o sinal está vermelho? para deixar mais irritados os motoristas?). A velhinha olha para ver se o sinal está vermelho. Ela quer ter certeza para não morrer atropelada. Os motoristas a observam com impaciência (motorista impaciente é pleonasmo, mas vá lá…): “Por que essa velha lerda não atravessa logo?” (desculpem, meus queridos leitores, mas todo motorista impaciente é politicamente incorreto!) “Por que ela tá esperando e esperando?! Meu Deus do Céu!!” A velhinha ainda deu uma outra olhada para o sinal, depois para os carros impacientes dos motoristas impacientes e começou a atravessar a rua, a passos lentos.

O sinal abre, o que você faz: a) espera calmamente que a velha passe; b) começa a buzinar feito um louco para a velha correr; c) começa a buzinar feito um louco enquanto rosna para a velha sair do caminho; d) você acelera e seja o que Deus quiser (e depois acusa a velhinha de ter ameaçado você…); e) você atinge o nirvana.

Pois é isso mesmo, querido leitor. Minha proposta é de que você atinja o nirvana enquanto dirige (não estou dizendo para você morrer, leitor, longe disso. O nirvana não é um lugar, mas, sim, o estado mental de libertação do sofrimento e, segundo o budismo, você pode alcançá-lo em qualquer lugar, inclusive no inferno!).

Procure perceber, leitor, a singeleza de tal proposta. Estou afirmando para você ir contra tudo o que acredita. Estou dizendo para você abandonar o seu estado animal primitivo. A sua natural e raivosa condição de homem civilizado. Você vai entrar em um estado de libertação do sofrimento em um dos momentos mais excruciantes. Ora, você acha que Buda só é Buda dentro de mosteiro? Quero ver Buda ser Buda nesse trânsito louco e desenfreado…

E, da próxima vez, leitor, que você estiver nervoso no trânsito, lembre-se de Buda e entre no nirvana. Ou melhor, medite como um tibetano e faça ohhhnnn enquanto os outros xingam você, enquanto os outros vociferam e babam. Mostre para eles quem é o ser humano. Seja mais feliz e liberte-se dessas amarras transitórias que a vida consumista-capitalista devoradora nos cria.

Ohhhnnnnn (ou seria ohhhnnnn…?).

(Claro que você vai chegar atrasado no seu compromisso, mas quem pode querer tudo ao mesmo tempo agora?)

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