sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Sátira pela Sátira



O grande escritor satírico – que nem de perto eu sou! –, ao denunciar as injustiças, acusar os culpados e rir das hipocrisias, tem a pretensão de poder mudar o mundo.
Todo escritor satírico se alimenta das injustiças, dos absurdos, das hipocrisias, denunciando-os por meio da hipérbole, do humor e, até mesmo, do absurdo. E o coração do escritor satírico está cheio de justiça. De justiça e de raiva, claro. Por que ele sairia por aí escrevendo contra outros, contra comportamentos, se não estivesse cheio de fel no coração, tão cheio que chega a vazar para outras tripas? E a ilusão de que a sátira, por mostrar comportamentos tão abusivamente hipócritas, por elevar ao máximo algumas das ideias mais estupidamente estapafúrdias, possa despertar nos opressores remorso e nos oprimidos revolta, para que a mudança, em algum momento, seja factível. Sim, o autor satírico, mesmo aquele que já está além da esperança, ainda nutre uma faísca de ilusão, de miragem, de logro que sua verve, sua retórica, suas imagens possam comover os imbecis e antas de que o mundo poderia ser outro, que o mundo poderia ser flores para todos os lados, que o mundo poderia ser paz e amor, todo mundo cantando, de braços dados, de sorriso aberto...
Mas não! Não será!

E, mesmo que essa ilusão não perdure por muito tempo, mesmo que o autor satírico se convença de que não poderá mudar todos, mas que poderá comover aqueles que não se beneficiam do grande esquema, que poderá despertar os oprimidos, o escritor satírico ainda subsiste em outras esperanças... Ainda acredita num mundo melhor!
Imagine all the people... etc.
Podemos ver esse escritor como um escritor engajado, como um escritor que acredita – ainda! – na luta pela defesa ou pela ampliação de direitos para os oprimidos e perseguidos. Podemos ver esses escritor assinando manifestos, petições, zombando das pretensões dos conservadores! Esse escritor vai ter um viés de esquerda, vai fazer careta para o mercado, para a Igreja, para o capitalismo ensandecido. Mas esse escritor pode parar e pensar. Pensar é algo extremamente difícil. Ter pensamentos, imagens, sonhos, como se estivesse alucinado, é fácil, é matéria mental para todos os cidadãos e cidadãs que rastejam por esta terra. Mas pensar! De fato, pensar! Isso é uma abominação. E as abominações, quando descobertas, são tratadas como crimes. Mas digamos que o autor satírico tenha tido a audácia e burrice de pensar. Se todo o filme da existência humana passasse em sua mente, o que ele veria? Uma série inenarrável, e um tanto monótona, de absurdos sucedendo disparates. Uma comédia trágica universal. E se o autor satírico, depois de pensar, perdesse a fé na humanidade? Se ele soubesse que tudo o que fizesse seria em vão? Que, muito provavelmente, a humanidade é uma piada sem fim com um fim não trágico, mas grotesco?
O melhor que o autor satírico pode fazer é dar com os ombros e ser um cínico – não no sentido filosófico, meu amigo, mas no sentido mundano – e aproveitar o quanto pode! Mas o autor satírico, depois de ter lido os filósofos e poetas, pode se sentir incomodado e entediado com essa solução. Digamos que ele se sinta assim. Digamos que ele não se transforme em um canalha de marca maior, como há muitos por aí, como os muitos que ele denunciava!
E daí? O que nosso amigo satírico pode fazer?
Talvez ele possa se entregar à sátira pela sátira!
Não houve o movimento da arte pela arte que, depois de décadas no auge, foi acusada, difamada, atacada, renegada por autores que se diziam engajados, que queriam mudar o mundo, que lutaram por seus ideais e ideias e, depois, somado tudo, ficou tudo na mesma! Sim, os escritores e artistas, alguém poderia arrematar, gostam de criar, sentem prazer em se mostrar e, em retrospecto, criam as teorias de que querem melhorar o mundo. Balelas! Querem, como todo bom artista, o gozo – seja ele de que tipo for!
O autor satírico quer sacanear os opressores! Com certeza! Ele pode dizer que é por dever moral, mas, creio eu, que seja mesmo por prazer moral. Para tirar onda dos poderosos, para dar uma banana para os arrogantes, para desagradar a eterna e onipresente burrice da unanimidade! Sim. Prazer moral! Hedonismo moralista!
E o autor satírico pode reconhecer que alguns problemas são urgentes, que eles tenham uma solução, que é necessário lutar por nossos ideais e direitos, mas a solução é sempre precária, temporária e fraca. O bicho gente sempre arranja um meio de ferrar com tudo. E, por isso, no final, em última instância, o autor satírico sabe que o que vale mesmo é a piada.
A eterna – enquanto dure! – piada humana!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente.
Assim que puder, eu libero (ou não...) o seu comentário.
Abraços.

Web Analytics