O grande escritor
satírico – que nem de perto eu sou! –, ao denunciar as
injustiças, acusar os culpados e rir das hipocrisias, tem a
pretensão de poder mudar o mundo.
Todo escritor satírico
se alimenta das injustiças, dos absurdos, das hipocrisias,
denunciando-os por meio da hipérbole, do humor e, até mesmo, do
absurdo. E o coração do escritor satírico está cheio de justiça.
De justiça e de raiva, claro. Por que ele sairia por aí escrevendo
contra outros, contra comportamentos, se não estivesse cheio de fel
no coração, tão cheio que chega a vazar para outras tripas? E a
ilusão de que a sátira, por mostrar comportamentos tão
abusivamente hipócritas, por elevar ao máximo algumas das ideias
mais estupidamente estapafúrdias, possa despertar nos opressores
remorso e nos oprimidos revolta, para que a mudança, em algum
momento, seja factível. Sim, o autor satírico, mesmo aquele que já
está além da esperança, ainda nutre uma faísca de ilusão, de
miragem, de logro que sua verve, sua retórica, suas imagens possam
comover os imbecis e antas de que o mundo poderia ser outro, que o
mundo poderia ser flores para todos os lados, que o mundo poderia ser
paz e amor, todo mundo cantando, de braços dados, de sorriso
aberto...
Mas não! Não será!
E, mesmo que essa
ilusão não perdure por muito tempo, mesmo que o autor satírico se
convença de que não poderá mudar todos, mas que poderá comover
aqueles que não se beneficiam do grande esquema, que poderá
despertar os oprimidos, o escritor satírico ainda subsiste em outras
esperanças... Ainda acredita num mundo melhor!
Imagine all the
people... etc.
Podemos ver esse
escritor como um escritor engajado, como um escritor que acredita –
ainda! – na luta pela defesa ou pela ampliação de direitos para
os oprimidos e perseguidos. Podemos ver esses escritor assinando
manifestos, petições, zombando das pretensões dos conservadores!
Esse escritor vai ter um viés de esquerda, vai fazer careta para o
mercado, para a Igreja, para o capitalismo ensandecido. Mas esse
escritor pode parar e pensar. Pensar é algo extremamente difícil.
Ter pensamentos, imagens, sonhos, como se estivesse alucinado, é
fácil, é matéria mental para todos os cidadãos e cidadãs que
rastejam por esta terra. Mas pensar! De fato, pensar! Isso é uma
abominação. E as abominações, quando descobertas, são tratadas
como crimes. Mas digamos que o autor satírico tenha tido a audácia
e burrice de pensar. Se todo o filme da existência humana passasse
em sua mente, o que ele veria? Uma série inenarrável, e um tanto
monótona, de absurdos sucedendo disparates. Uma comédia trágica
universal. E se o autor satírico, depois de pensar, perdesse a fé
na humanidade? Se ele soubesse que tudo o que fizesse seria em vão?
Que, muito provavelmente, a humanidade é uma piada sem fim com um
fim não trágico, mas grotesco?
O melhor que o autor
satírico pode fazer é dar com os ombros e ser um cínico – não
no sentido filosófico, meu amigo, mas no sentido mundano – e
aproveitar o quanto pode! Mas o autor satírico, depois de ter lido
os filósofos e poetas, pode se sentir incomodado e entediado com
essa solução. Digamos que ele se sinta assim. Digamos que ele não
se transforme em um canalha de marca maior, como há muitos por aí,
como os muitos que ele denunciava!
E daí? O que nosso
amigo satírico pode fazer?
Talvez ele possa se
entregar à sátira pela sátira!
Não houve o movimento
da arte pela arte que, depois de décadas no auge, foi acusada,
difamada, atacada, renegada por autores que se diziam engajados, que
queriam mudar o mundo, que lutaram por seus ideais e ideias e,
depois, somado tudo, ficou tudo na mesma! Sim, os escritores e
artistas, alguém poderia arrematar, gostam de criar, sentem prazer
em se mostrar e, em retrospecto,
criam as teorias de que querem melhorar o mundo. Balelas! Querem,
como todo bom artista, o gozo – seja ele de que tipo for!
O
autor satírico quer sacanear os opressores! Com certeza! Ele pode
dizer que é por dever moral, mas, creio eu, que seja mesmo por
prazer moral. Para
tirar onda dos poderosos, para dar uma banana para os arrogantes,
para desagradar a eterna e onipresente burrice da unanimidade! Sim.
Prazer moral! Hedonismo moralista!
E
o autor satírico pode reconhecer que alguns problemas são urgentes,
que eles tenham uma solução, que é necessário lutar por nossos
ideais e direitos, mas a solução é sempre precária, temporária e
fraca. O bicho gente sempre arranja um meio de ferrar com tudo. E,
por isso, no final, em última instância, o autor satírico sabe que
o que vale mesmo é a piada.
A
eterna – enquanto dure! – piada humana!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente.
Assim que puder, eu libero (ou não...) o seu comentário.
Abraços.