segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sátira e Política: um caso de amor

O que faríamos nós, autores satíricos, se não fosse a Política? Ou, melhor, se não fossem nossos amigos políticos? Muito menos do que fazemos hoje. Talvez estivéssemos até mesmo desempregados.Talvez conseguíssemos fazer sátira dos costumes, dos economistas, dos advogados (sempre perigoso, pois gostam de nos processar tanto quanto os políticos…) e de outros assuntos menos empolgantes.

Mas por que a política é tão empolgante? Por que apontamos sempre o erro dos políticos, se são como nós seres humanos frágeis e falíveis? Não sei, leitor, mas talvez seja porque eles escolheram – ou o povo os escolheu – para ir para a grande arena do mundo decidir o que é ou não melhor para nós. Enfim, eles, quer por nascimento ou por escolha individual, mostraram ânimo para entrar na dita vida pública. E não se engane, leitor, mas, desde o começo da democracia, quando a coisa pública era privativa dos cidadãos gregos (os outros, como mulheres e estrangeiros, não tinham lá muito espaço…), vivíamos (nós enquanto seres humanos) querendo que os políticos resolvessem todos os nossos problemas. Sim, eles seriam os nossos salvadores. Os salvadores da pátria. Mas, ai de nós!, eles conseguiam, sim, era arrumar mais trapalhadas. Tudo bem, dizíamos. Resolva esse problema que você mesmo inventou ou colocamos outro aí para resolvê-lo. Aí é que era guerra mesmo!

Aristófanes, grande dramaturgo satírico, o autor da Comédia Antiga, satírico tremendamente grotesco, de opiniões reacionárias, apontou o dedo para tudo e todos, inclusive os políticos e tiranetes locais. Se ele reencarnasse hoje e escrevesse dez por cento do que escreveu, seria, de pronto, processado por trezentos políticos vingativos e furibundos… Algo desse tipo acontece o tempo todo contra jornalistas que divulgam casos de corrupção, sobretudo nos últimos anos.

Claro que os acusados de corrupção têm todo o direito de processarem quem quiserem processar. Os acusados de corrupção, normalmente, usam o argumento de que nada foi provado contra eles, de que não existem provas, de que tudo não passa de mentia… Ora, se nada foi provado, normalmente é porque nada foi averiguado. Se nada foi averiguado, cabe à polícia investigar. Mas e se a polícia responde aos acusados de corrupção? Fica aí, leitor, assunto para se pensar…

Mas fujo a meu tema. Meu tema é a relação de amor entre Sátira e Política. Pois devo admitir, leito, que é realmente uma relação de amor, sendo que a Política sempre esnoba da Sátira, mas quando esta fica furiosa, aquela usa todos os meios que possui para fazê-la calar.

Podemos inferir que, se é mesmo uma relação de amor, é uma relação, no mínimo, conflituosa.

E vou dizer uma coisa. É conflituosa exatamente porque a Sátira espera muito da Política. Ora, não devemos estranhar isso! A própria Política, por meio de seus representantes, os políticos, prometem muito. Aliás, podemos dizer que o exercício da Política, desde a aurora dos tempos, consiste basicamente em prometer e acusar. O bom político (não no sentido de bom para nós, senão bom para si mesmo…) sabe que prometer tudo e acusar os outros é o caminho de salvação (isto é, de continuar no poder). Mesmo que ele esteja no poder há vários anos, o problema ou os problemas são culpa do anterior (acusar) ou são culpa daqueles que não o deixam trabalhar (acusar), que, se ele pudesse, tudo seria diferente, tudo seria melhor (prometer…). Chega a ser enfadonho, se analisado friamente. Mas, no dia a dia da política, os políticos sempre se envolvem em um problema atrás do outro. Uns sempre querem mais poder. Para isso, têm de tirar dos outros. Uma solução nada engenhosa, apenas temporária, é criar mais cargos, mais vagas, mais ministérios (será que isso já foi tentado em nosso país? Não! Claro que não!). Mas é uma solução temporária, tendo em vista que o poder não é divisível, tendo em vista que fica uma divisão entre ministérios de verdade e ministérios coadjuvantes. Por ser temporária, no entanto, já serve para alguma coisa!

Mas vá lá! Fujo ao meu tema novamente. Devo afirmar que a Sátira, mesmo se o autor é um saudosista do passado (idealizado…) ou um crente progressista, sempre acredita que a Humanidade tenha jeito. Que do jeito que está não pode ser. Que há uma maneira de melhorar, o autor satírico não sabe como (ou, se sabe, somente acha que sabe!), mas o autor satírico sabe apontar os erros e incoerências dos outros, utilizando a ironia para revelar a discrepância entre discurso (mundo encantado) e o fato (realidade brutal e corrupta). Sim, meus queridos leitores, a Sátira quer melhorar o mundo. Mas aponta os culpados. Aponta as vilanias! A Sátira, poderia dizer algum seguidor do otimismo filosófico, tende a permanecer no ciclo vicioso da culpa e do remorso. Ou se um seguidor do cinismo desse sua sugestão ele diria que o autor satírico é um autor frustrado, idealista e infantil. Ora, o mundo sempre foi esse lugar sinistro, hipócrita e mentiroso. Os seres humanos sempre se dividiram nos malditos e nos que deveriam ser (Mark Twain). Os malditos, aqueles que entendiam que essa vida é uma aguerrida luta por poder e sobrevivência, acabam se tornando os poderosos deste mundo. É fato. Mas o autor satírico não consegue se convencer disso. Ele não quer acreditar nisso. Ele fica louco com isso. Arranca os cabelos e começa a acusar a torto e a direito. Acusações simples, chãs, no entanto, não funcionam. Ele deve usar da mesma arma dos hipócritas, deve usar os mesmos recursos discursivos. Deve falar uma coisa para ser entendida outra. Pois os poderosos e malditos usam o discurso para dizer uma coisa e fazem, na prática, outra. O autor satírico deve jogar com esse dualismo. Deve inflá-lo. Deve usá-lo ao máximo. Ou será esquecido. Ou será escarnecido. Bem, escarnecido ele vai ser…

No entanto, se o autor satírico quer o melhor para a Humanidade, por que não falar positivamente? Por que atacar a tudo e a todos? Por que usar de subterfúgios? Porque o autor satírico precisa disso. E a Humanidade também. A Humanidade precisa expurgar seus erros. Precisa encará-los, enfrentá-los!

Para sermos melhores, no entanto, não precisamos disso?

Ou isso ou nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente.
Assim que puder, eu libero (ou não...) o seu comentário.
Abraços.

Web Analytics