domingo, 11 de julho de 2010

A Grande Privada Pública continua…

Em uma matéria na última edição da VEJA, comentou-se sobre o recorrente problema do ato de urinar em público. Ora, os homens (e algumas mulheres, conforme já presenciei de fato) muitas vezes se aliviam publicamente, transformando o espaço público em uma tremenda privada. Foi o que alertei, há quase um ano, no meu post Privada Pública ou Consideração Filosófica sobre a Grande e Pequena Corrupções, no qual narrei alguns fatos e um pesadelo muito estranho que me atemorizou. O fato é que a urina pública é uma afronta aos princípios básicos de higiene, de etiqueta e de respeito. Respeito não só com o próximo, aquele que poderia passar no exato momento do ato de urinar ou que passará depois quando o fedor de amônia for insuportável, mas também respeito com o bem público – e sobre isso talvez me explique em outro post.
Estava andando pelas ruas de minha cidade – minha na medida em que nela vivo – quando me deparo com um homem de idade respeitável urinando encostado em um muro. Resmunguei um pouco, mas o velho virou a cara para mim e piscou o olho direito. Que fazer? Continuei o meu caminho. Na mesma semana, eu o encontrei novamente e novamente o infeliz estava urinando, agora próximo a um poste. Os horários dos encontros eram os mais variados. Na primeira vez, foi bem de manhã, eu estava indo dar aquela caminhada matinal. Na outra, foi perto das sete da noite e, dessa vez, ele estava, mais ou menos, escondido. Fora o fato de urinar em público, notei que o homem, já com seus cabelos brancos, demonstrava a maior seriedade e respeitabilidade. Percebi que se tratava de um homem que perdera o juízo. Tive a certeza quando ele, na terceira vez que nos encontramos na praça principal da cidade, me contou o seu credo político.

Depois de uma rápida apresentação e reconhecimento, o desabusado, o urinador público, se assim podemos chamá-lo, começou o seu glorioso discurso:
“Mijo. E mijo muito na rua. Mijo mesmo. Se sinto vontade, saco meu grande membro e ponho-me a mijar! Respeito? Etiqueta? Higiene? Para que isso tudo? Você está louco, autor satírico. Vive no mundo da lua. Se estamos com vontade, o negócio é fazer onde der para fazer. É até saudável. Por que eu deveria me importar com os outros se os outros não se importam comigo? Próximo, irmão? Com a breca com o próximo. Não há próximo, só inimigos.
“Somos todos inimigos uns dos outros. Nossa história bem comprova isso. Você acha que sou ignorante? Não e não. Li muito. Li mais do que muito estudante universitário por aí que só lê por obrigação. Li todos os filósofos e vou dizer, entre nós, que Platão é um banana, Maquiavel é o cara e Hobbes, um gênio. Estamos cercados por inimigos, mas o maior, mais monstruoso de todos eles é o Leviatã, o Estado Democrático de Direito!
“Eles nos obrigam a ser normais, eles nos obrigam a pagar impostos e taxas, eles nos obrigam a torto e a direito, enquanto se refocilam na esbórnia. Eles fazem e acontecem. E não fazemos nada! Quem? Os donos do Leviatã! Os políticos. Vivem em um mundo paralelo, enquanto nós vivemos no inferno.
“Sim. Vivemos no inferno. E o pior é que não sabemos que vivemos no inferno. Somos fracos e covardes. Não nos rebelamos, não lutamos. Ficamos passivos perante os maiores escândalos de corrupção. Mesmo aqueles que perdem o mandato ou renunciam para não serem cassados, depois retornam ao poder com o voto do povo. O povo brasileiro é burro. E é o pior tipo de burro: aquele que se acha esperto demais. Votam nos malditos políticos esperando um favorzinho em troca. Esperando ganhar algum. Alguma migalha. Alguma esmola. Algum benefício social. Se o povo brasileiro tivesse vergonha na cara, já teríamos feito cinquenta revoluções neste país. Não! Que digo eu? Teríamos feito uma revolução só! A definitiva!
“Por isso, mijo para tudo e para todos. Descobri que a urina é extremamente ácida, capaz de corroer concreto, abalar estruturas, de desestabilizar sistemas políticos. Sou um terrorista. Meu desejo é corroer tudo, destruir tudo, apagar essa vergonha histórica que chamamos de civilização, sem dó. Não acredito em mais nada. Só na urina. Só no poder corrosivo da urina. Só na destruição pela urina. E virá um grande mar de mijo, que dissolverá tudo e todos, todos os prédios, todas as construções, rodovias, institutos, casas. Será o fim. O fim do Brasil. O fim do mundo.
“Mijo. Mijo, sim. Mas pela aniquilação total!”
Ele continuou o seu discurso, enquanto me afastava. Começou a gritar meu nome, mas saí quieto e rápido de perto dele. Vocês podem imaginar o sucesso que ele fez na praça… Creio que, depois de umas semanas, ele foi preso e conduzido a um hospício.

Para quem quiser ler:
Privada Pública ou Consideração Filosófica sobre a Grande e Pequena Corrupções, no Santas Sátiras.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo blog, aos poucos vou lendo e tenho certeza que vou adorar ainda mais suas postagens sobre os diversos temas e assuntos...

    Abraços,

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  2. Prezada Belle,
    Obrigado pelos elogios. Espero que continue gostando dos posts (e que eu continue mantendo o nível!!!).
    Abraços.

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