sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Louco, eu? De forma alguma… ou o Experimento Pangloss–parte II

Doutor Pangloss gritava:

“Me tirem daqui! Eu não sou louco! Era tudo faz de conta, tudo parte de um experimento! Eu exijo que me tirem daqui, seus desgraçados!”, e doutor Pangloss bufava, babava, batia as mãos na cabeça, caía no chão.

“Vê-se bem que o doido não tá doido”, disse a enfermeira para o enfermeiro.

“A primeira coisa que eles dizem é que não são doidos”, disse o enfermeiro para a enfermeira.

“Mas eu não sou doido. Eu sou um respeitado pesquisador de psicologia. Eu sou o eminente doutor Pangloss!”

“O seu colega da esquerda pensa que é Napoleão Bonaparte'”, disse a enfermeira.

“O da direita ora diz que é Lula, ora que é FHC. Realmente um caso muito interessante”, disse o enfermeiro.

“Mas eu não sou louco! Eu não sou louco”, esbravejou com fúria doutor Pangloss, o que deixou Lula/FHC ou FHC/Lula e o pobre Napoleão nervosos e agitados. A enfermeira olhou para o enfermeiro e este percebeu que era hora de dar o mata-leão no pobre doutor Pangloss. Este ainda tentou contra-atacar, mas o enfermeiro o agarrou enquanto a enfermeira injetava na veia o doce tranquilizante. E doutor Pangloss caiu em um sono sem sonhos…

Com exceção do próprio doutor Pangloss, os seus seguidores todos conseguiram sair dos respectivos hospícios. Passados os três meses nas instituições mentais, os falsos pacientes pararam com todos os fingidos surtos psicóticos e pacientemente – como nenhum paciente realmente fazia – explicavam o que se tinham proposto a fazer. Alguns médicos ficaram extremamente indignados com o experimento, mas nenhum deles pôs em questão a sanidade dos falsos pacientes. Claro que nem eles nem os enfermeiros tinham percebido que nenhum deles era são. Apenas os outros loucos é que o tinham percebido.

“Você pode ser tudo, menos louco”, disse um dos loucos para o falso paciente que tinha tentado comer os próprios dejetos.

“Como você soube?”, perguntou o seguidor de doutor Pangloss, depois de muito desmentir o louco.

“É que você não demonstrou o verdadeiro prazer em deglutir tão deliciosa iguaria”, argumentou o cropófilo. O falso paciente fez um careta de nojo – mais um indicativo de sua sanidade.

Claro que a saída dos não-loucos-que-se-passaram-por-loucos não deixou de ser traumática. Alguns médicos insistiram nos diagnósticos, mas foram desacreditados por causa das declarações registradas em cartório. Não foram todos os médicos que chegaram a esse ponto. Alguns foram até entusiastas do método de logro.

“Esse sistema todo tá furado, parceiro. Quem é louco pode muito bem estar mais são do que a gente, maluco”, disse um psicólogo mais avançado.

Causou um alvoroço nos meios de comunicação. Um hospital prestou queixa na polícia. Um médico entrou com um processo por danos morais. Isso tudo era esperado pelo doutor Augusto Pangloss e por seus seguidores que reagiram de forma característica e planejada: acusaram as instituições de serem tacanhas, burras e arrogantes. O circo foi armado. Mas o palhaço, digo, o ator principal permaneceu trancafiado no manicômio de doutor Teixeira Sabe-Tudo.

Os seguidores de doutor Pangloss começaram a fazer uma balbúrdia na imprensa. Como é que o idealizador do projeto poderia permanecer preso se tudo era uma farsa, digo, um experimento?

A resposta de Sabe-Tudo foi curta e grossa: “Porque ele é louco.”

Mas os seguidores mostraram a declaração firmada em cartório.

Sabe-Tudo rebateu: “Essa declaração é um dos sintomas da psicose de doutor Pangloss. Um dos sintomas de sua loucura. Eu reafirmo que doutor Pangloss está enfermo e que parar o tratamento dele agora seria, bem, muito perigoso…”

Um dos seguidores, aquele mesmo que quase foi expulso do grupo, foi um dos mais ardorosos defensores da saúde mental de seu ídolo. Afirmou, para a mídia, que doutor Sabe-Tudo estava mantendo doutor Pangloss em cárcere privado por vingança tanto profissional quanto pessoal. Era de conhecimento notório, pelo menos nos meios acadêmicos, que Pangloss tinha roubado uma namorada de Sabe-Tudo que, depois de ter sido largada por aquele, voltou para este e se casou com ele. Uma verdadeira novela mexicana, muito do gosto dos tabloides e dos jornais em geral.

Bombardeado com essas acusações, doutor Sabe-Tudo se defendeu com um vídeo de doutor Pangloss.

No vídeo, doutor Pangloss planta bananeira, grita feito Tarzan, bate no peito, pula de uma mesa para outra, tira as calças e mostra o pênis em tremenda ereção e se masturba. Claro que o vídeo foi censurado quando transmitido em telejornal muito famoso. O jornalista falou: “Nesse momento, o doutor Pangloss age de forma inapropriada para nossos telespectadores…” O seguidor de doutor Pangloss rebate afirmando que o plano do grande psicólogo era exatamente aquele: passar-se por louco. Inquirido, doutor Sabe-Tudo reafirmou: “Não, meus amigos. Ele está efetivamente louco. Completa e irrevogavelmente louco.”

O vídeo vazou para o youtube e foi um sucesso, perdendo apenas para o bebê que brincava com o próprio coco.

A pendenga médico-judicial continua. Mas quem sabe da verdade neste mundo?

Doutor Pangloss, quando internado, conheceu seus colegas por quem paulatinamente começou a ter afinidades.

O louco FHC/Lula tinha uma característica particular. Ficava em diálogo contínuo consigo mesmo: “”Eu sou o maior presidente deste país.’ ‘Não, sou eu!’ ‘Não, você não acabou com a inflação. Eu acabei com a inflação!’ ‘Mas você não cresceu como eu!’ ‘Eu sou um estudioso!’ ‘Eu não estudei nada e cheguei onde eu cheguei.’ ‘Eu fiz o plano Real.’ ‘Eu fiz o PAC, o maior programa da história da humanidade.’ ‘Megalomaníaco.’ ‘Não me xinga, não.’” E o louco começava a bater em si próprio.

O louco que se achava Napoleão olhava com desdém para os dois: “Esses brasileiros… E você? Quem você acha que é?”

“Eu sou o doutor Pangloss?”

“De Cândido?”

“Não. Do Brasil.”

“Ah… Tá bom”, e Napoleão se afastou dos brasileiros.

Doutor Pangloss não fingia que estava louco. Apenas o afirmava. Isso parecia confirmar os médicos. Quem em sã consciência iria se internar em um manicômio dizendo que estava louco? Ninguém.

Pangloss se vangloriava com os seus botões. “Que idiotas! Que idiota esse doutor Sabe-Tudo! Agora sim vou passar a perna nele!”

Doutor Pangloss, em seu devido momento, afirmou para doutor Sabe-Tudo:

“Sabe-Tudo, estou completamente são.”

“Isso é discutível.”

“Não, não. Eu nunca estive louco. Eu planejei isso tudo. Eu queria mostrar que você não iria adivinhar meu verdadeiro estado.”

“Realmente…”

“Ficou surpreso com minha engenhosidade? Eu sabia que você cairia feito um pato…”

“Qualquer outro cairia. Mas você veio com um clichê muito banal, doutor Pangloss.”

“Como assim?”

“Você acabou de me dizer que não é louco.”

“Mas…”

“E isso todos os loucos fazem.”

“Mas eu não sou louco. Posso provar a você. Eu sou normal. Eu assinei um documento e sou normal…”

“Você pode ter feito isso como uma rota de fuga. Você é extremamente inteligente, doutor Pangloss. Um louco extremamente inteligente. Estava esperando para ver como você iria me abordar.”

“Você está louco.”

“Não sou eu que estou no manicômio. Como paciente…”

“Mas eu estou dizendo para você. Eu não sou louco, diabo!”

Doutor Sabe-Tudo anotou em seu caderninho. Doutor Pangloss foi até ele e arrancou o caderninho de sua mão. Com violência. Doutor Sabe-Tudo chamou os enfermeiros. Entraram dois trogloditas que agarraram Pangloss e tiraram o caderninho da mão dele.

Doutor Pangloss gritava, se debatendo: “Não sou louco! Não sou louco!” E mordeu o braço de um dos enfermeiros.

O enfermeiro não se conteve, urrou de dor e deu uma bofetada na cara de doutor Pangloss.

Doutor Sabe-Tudo revoltou-se: “Mas não pode. Violência gratuita não!”

Pangloss, que ainda sentia ondas de dor em seu esquálido corpo, sussurrou um obrigado.

Mas Sabe-Tudo, com um sorriso malicioso, disse, antes de sair: “Só violência justificada. E sem deixar marcas…”

“Não. Não!”, gritou ainda doutor Pangloss que ficou nas mãos de dois enfermeiros nada compreensivos.

Os dias passaram, o experimento foi revelado, o grupo de Pangloss entrou com um processo na Justiça e o excelso doutor ainda continuava trancafiado no manicômio.

“Eu sou são”, dizia Pangloss.

“Não. Você é louco”, afirmava Sabe-Tudo.

“Não! Eu sou normal!”, gritou Pangloss.

“Assim não dá. Vou chamar os enfermeiros…”

“Não. Por favor, não! Eu não aguento mais. Eu suplico!”

“É só assinar um termo afirmando ser louco…”

“Mas eu não sou louco!”

“É, sim.”

“Não! Eu não!”

“Enfermeiros!”

Os enfermeiros entraram, doutor Sabe-Tudo saiu, e doutor Pangloss recebia outra terapia construtivista.

E outra, e outra…

Entrementes, o grupo de doutor Pangloss atacava o doutor Sabe-Tudo com todas as armas que possuíam. Doutor Sabe-Tudo apresentou aquele vídeo revelador. Os seguidores do ilustríssimo doutor Pangloss afirmaram que se tratava de uma falsificação ou de, pelo menos, uma encenação.

Sabe-Tudo respondeu que não; que o vídeo havia sido filmado no dia anterior àquele em que ele foi veiculado; que doutor Pangloss estava completamente louco.

Doutor Panloss estava louco? Seria possível?

Ele estava deitado em sua cela, pois era uma verdadeira cela, quando uma voz disse para o ilustre doutor:

“Augusto Panglossss…”

“Quem está aí?”, perguntou um assustado doutor. O confiante, ousado e entusiasmado doutor Pangloss tinha desaparecido. Ou melhor tinha se transformado em um sorumbático, medroso e tímido Pangloss. Antes de começar a ouvir a voz, ele estava choramingando abraçado ao travesseiro.

“Augustooo…. Sou eu…”

“Me deixa em paz!”

“Eu sou você, Augustoooooooooo…. Eu sou você, louquinho da silva!”

“Não! Eu sou normal! Eu não sou louco!”

“Não, Augusto? Não está me ouvindo, está?”

“Estou.”

“E eu não existo, existo?”

“Não.”

“Pois então, Augusto, o que você me diz?”

“Meu Deus, estou louco! Estou louco!”

“E o que um louco faz?”

Pangloss começou a pular feito um macaco, a gritar, a bufar, a xingar e a babar. Pulou em cima da cama, a virou, fingiu que estava numa guerra. Depois, plantou bananeira e disse que o mundo estava de cabeça para baixo. Enfim, Augusto Pangloss fez tudo aquilo que ficou lá gravado na maldita fita.

E ele dizia: “estouloucoestouloucoestouloucoestoulouco”.

A loucura o libertou, claro. Nunca tinha se sentido tão feliz! Ele não tinha mais nenhum pudor, nenhuma vergonha, nenhuma ambição. Ele era o louco total. A razão foi enxotada totalmente de sua mente. E a loucura se instalou como rainha toda-poderosa.

Diante de tais evidências, o grupo de seguidores de doutor Augusto Pangloss se desfez. Cada um foi para seu lado. Alguns ficaram inimigos. Outros, indiferentes. Alguns se detrataram. Outros, bem poucos, na verdade, mantiveram-se fiéis ao credo de Pangloss. Depois de tudo, como conseguir sobreviver neste mundo selvagem? Bem, como afirma a sabedoria popular: cada cabeça, uma sentença.

Mas a verdade era outra.

Doutor Sabe-Tudo, depois de enlouquecer doutor Pangloss e de obter sucesso em todos os processos judiciais, tinha diante de si, na mesa de seu escritório, uma tese intitulada: “Como enlouquecer uma pessoa normal”.

“Você foi muito cruel, sabia?”, disse sua esposa.

“Não. Fui científico”, respondeu Sabe-Tudo.

“Sei… Acho que você não faria isso com outra pessoa.”

“Eu precisava de alguém são. Precisava de alguém são que quisesse permanecer em meu hospital. E alguém são apareceu dizendo que era louco. Eu devia deixar essa oportunidade passar?”

“Mas era o doutor Pangloss…”

“Era.”

“Você é cruel…”

“É.”

“Pena que você não vai poder publicar isso…”

“Pelo menos, em vida. Mas a posteridade verá que sou um gênio.”

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