terça-feira, 10 de abril de 2012

A Fúria das Torcidas ou Uma Explicação (nada…) Filosófica sobre uma Paixão

Tornou-se um pouco rotineiro torcedores se matarem por causa de seus times, ou mesmo ameaçarem jogadores por não estarem se empenhando devidamente (segundo eles), ou ainda atos de vandalismo quando o tão amado time perde ou perde de forma vergonhosa. Não podemos duvidar do poder irracional (alguns diriam emocional) que o futebol evoca no povo brasileiro. Claro que é totalmente irracional. Os torcedores, por meio da catarse, vivem e sofrem, choram e gritam, vibram e se desesperam de acordo com o resultado de uma partida de futebol.

E para quê? Para nada, obviamente. Ou melhor, para matar o tempo.

A expressão “matar o tempo” pode parecer muito comezinha. Ela é. Mas, por trás dessa atitude aparentemente banal, há toda uma implicação filosófica. Matamos o tempo e tempo nos mata, disse Bentinho ou Dom Casmurro (ou Machado de Assis por meio dele). No entanto, temos necessidade de matar o tempo para esquecermos nossa condição e, na maior parte dos casos, nem tomar conhecimento dela. A caçada é mais importante do que a caça. O primordial é não ficarmos sozinhos com nossa consciência. A grande jogada é jogarmos para esquecer nossa miséria (miséria vai aí, ó leitor, não no sentido socioeconômico, mas filosófico, muito embora o sentido socioeconômico esteja incluído em nossa consideração).

Dessa forma, vive-se por procuração. Aquele que está infeliz no trabalho (odeia o que faz), que está infeliz com a família (odeia a família), que está enraivecido com o mundo (bem, vocês já entenderam...), pode encontrar no futebol o seu alívio, a breve suspensão de suas dores. Por noventa minutos, os seus problemas desaparecem e se reduzem ao problema do campo de futebol. Está matando o tempo, vivendo, ainda que alheiamente, uma paixão.

Quando o seu time ganha, parece que o próprio ganhou. Pavoneia-se diante das outras torcidas, goza os colegas e vive no paraíso até o próximo jogo ou campeonato.

Quando o seu time perde, no entanto, entra num período de inferno astral, em que é gozado pelos amigos, é humilhado por desconhecidos e vive uma vergonha que não é sua.

Totalmente ilógico. Aliás, como todas as paixões. Quem observa de fora fica abismado. Mas, se estivesse dentro da lógica, também seria carregado pela mesma correnteza.

Mas o que essa papagaiada tem a ver com torcidas homicidas? Pouco quase que tudo.

Por viverem por procuração, por depositarem no destino de seus times a própria felicidade, os torcedores se veem entristecidos ou enraivecidos de acordo com a sua sensibilidade (sensibilidade? Eles têm isso?). Assim, formam-se torcidas organizadas. Organizadas para quê? Para saudar o próprio time e para humilhar os rivais. É somente para isso, não é mesmo? E, quando a humilhação extravasa em demasia, temos explosões de violência.

Um colega flamenguista, uma vez, disse que todos os cariocas e fluminenses deveriam ser “normais”, isto é, flamenguistas. Eu objetei no mesmo instante: “E quem os flamenguistas iriam zoar depois de uma goleada? Os paulistanos em São Paulo?” E ele concordou comigo que realmente precisam existir os outros times.

Já foi argumentado que não é culpa do futebol despertar tantas paixões. Discordo. O futebol existe para despertar paixões. No entanto, não é culpa das organizações em torno ao futebol ou que dela lucram o despertar da violência. Com certeza, no meio das torcidas organizadas, há aqueles que não a toleram e aqueles que a incitam. O problema está devidamente em apurar os crimes, apontar os culpados e julgá-los.

Além disso, policiais e outras autoridades deveriam ter maior conhecimento da psicologia de multidão. Em alguns casos, uns poucos detalhes podem diferenciar uma chacina coletiva de uma multidão ranzinza.

No entanto, continuo com minha tese de que o futebol traz em seu bojo essa possibilidade de violência. Por tratar-se de uma paixão e uma paixão coletiva. Aliás, qualquer esporte traz isso. Não somos fanáticos por futebol americano ou críquete, mas se fôssemos...

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