segunda-feira, 9 de abril de 2012

Literatura Preconceituosa ou Elevar o Politicamente Correto ao Máximo

Uma das polêmicas atuais, no meio cultural, é o pedido, por parte de uma ONG, de retirar das escolas italianas o clássico de Dante Alighieri, A Divina Comédia.

Tal polêmica lembra as outras tentativas de se censurar ou de corrigir autores como Monteiro Lobato, no caso brasileiro, e Mark Twain, no norte-americano.

Ora, podemos argumentar que no período de Dante tais opiniões eram abertamente defendidas pela maioria de sua sociedade. Assim, em seu tempo e em sua sociedade, os valores cristãos ditavam opiniões muito contundentes em relação aos homossexuais, aos judeus e aos mulçumanos. Eles estavam errados; eram hereges e proscritos. Se Dante os tivesse posto no paraíso, provavelmente seria torturado, excomungado e queimado em nome da Igreja. Não estou fazendo aqui uma acusação contra o cristianismo, em geral, ou contra o catolicismo, em particular. A história já demonstrou, até demais, que os homens matam, torturam, amaldiçoam, independente da religião, estado civil, orientação sexual, etc. Podemos afirmar que onde há humanos há problemas... Voltando ao assunto, porém, reitero que Dante Aliguieri viveu e escreveu em sua época e para sua época. O fato de seu poema conseguir superar o seu tempo se deve a inúmeros outros fatores e passagens. Em miúdos, se Dante “errou” nesses trechos, a qualidade do conjunto de sua obra os redimiu.

Mas não seria melhor excluir esses trechos ou adulterá-los? Creio que não e pelo simples motivo que nós devemos ver a integridade de todo o pensamento do escritor. Mesmo e – diria eu – sobretudo os seus “erros”. A literatura, em particular, é – ou deveria ser – uma escola de tolerância, sobretudo naqueles momentos em que mais discordamos de um escritor vigoroso e revoltado como Dante. Aprendemos com esses erros, pois esses erros são humanos. E, mesmo os grandes (“E grande é Dante”, como disse Manuel Bandeira), são suscetíveis desses erros.

Os tempos mudaram, o mundo tornou-se mais tolerante (tornou-se?) e, hoje, um poeta escrever um romance no qual ele coloque homossexuais, judeus ou mulçumanos, apenas por terem uma religião ou orientação sexual diferentes, no inferno parece um pouco incongruente e, mesmo, ofensivo. No mínimo, tal obra seria desconsiderada pela crítica como racista, etc. e seria enterrada no inferno – esse sim muito vasto – das obras falhadas.

Seria mesmo?

Para meus argumentos utilizo a célebre frase de André Gide e um exemplo no campo da ficção.

Não se faz boa literatura com boas intenções nem com bons sentimentos, disse o imoralista escritor francês. É exatamente o sentimento de revolta, de rebeldia, de enfim dizer verdades que não ousamos dizer que faz escritores produzir obras grandes. A própria Divina Comédia é um panfleto político contra a situação da época e um exemplo de acusação contra os italianos, em particular, e a humanidade, em geral (e não só um documento preconceituoso...).

Pensemos também em Lolita de Nabovok. Se formos considerar acriticamente, como sói acontecer com os defensores radicais do politicamente correto, Lolita deveria ser excomungado – outra expressão boa para os pretensos moralistas – de qualquer currículo escolar por promover a pedofilia.

Bem. Outro exemplo que me vem à mente é a do escritor francês Céline. Ele era antissemita, preconceituoso, provavelmente colaboracionista com o nazismo, etc. E escreveu Viagem ao fundo da noite e Morte a crédito. Escritores famosos o defenderam de várias formas, inclusive o insuspeito e judeu Philip Roth.

Cercear os “erros” dos grandes é somente mais uma forma de incompreensão.

Mas – ei! – somos humanos. Somos feras nesse quesito.

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