domingo, 22 de abril de 2012

Regras para se escrever Regras para Escrita

Caro leitor, se você já se dedicou ao ofício literário, se já escreveu pelo menos um parágrafo que, segundo parentes seus (sobretudo aqueles que não têm nenhum apreço pela literatura ou que “amam” literatura demais...), ficará para a eternidade, então, meu amigo leitor, você já está habilitado a escrever algumas regras para escritor.

Esse gênero não é novo. No entanto, com o passar do tempo, tornou-se uma moda entre escritores. Você, como um escritor neófito, não pode jamais duvidar do poder da moda no meio literário. Ela é responsável pelos sucessos estrondeantes que repentinamente somem, pelas discussões calorosas que se olvidam em seguida e pelas regras eternas que duram até... à próxima moda.

Assim, se você quer embarcar no táxi das regras de escritor, não se esqueça de algumas regrinhas básicas a se seguir para escrever regras de escrita:

1) Sua primeira regra de escrita deve ser esta (ou você deve fazer essa ressalva antes de começar a ditá-las): Não existem regras. Deixe isso bem claro. De cara. Você deve começar dizendo que não há regras, pois, se disser que há regras e que suas regras são as verdadeiras, você vai passar por um tremendo autoritário e ninguém no meio literário quer passar por isso. É como xingar um comunista de nazista – e vice-versa. Em primeiro lugar, meu caro leitor, você deve deixar claro que não há regras. Depois disso, você pode ditar todas as regras que quiser.

2) Escolha um escritor famoso (traduzindo, da moda...) e se baseie em tudo o que ele escreveu. Normalmente, escolhe-se Flaubert (pobre Flaubert...), pois ninguém jamais, antes ou depois, encarnou tão bem a imagem do escritor sofredor e solitário que, em sua alcova, escreve e escreve, escreve e joga fora, escreve e reescreve, escreve e sofre... Também com a renda que ele tinha podia se dedicar ao que quisesse sem pensar no dia de amanhã (claro, leitor, eu sei. Ele se dedicou à literatura, à grande arte... Poderia ter torrado o dinheiro no quê? Sexo, drogas e rock´n´roll... Opa, na época dele não tinha rock´n´roll...). Mas você pode escolher outro escritor: Joyce, Bolaño, Borges, etc. O melhor é você fazer como as dissertações de doutorado: citar tudo e todos sem um mínimo critério seletivo. É o melhor para se fingir culto...

3) Siga a maré, mas nem tanto. Com isso quero dizer que você deve concordar com todo mundo, mas deixar uma reserva. Você vai parecer independente. No meio cultural, é comum surgirem dois pontos de vistas contrários, excludentes e inimigos. Aí vem alguém e descreve esses pontos de visas contrários, excludentes e inimigos e só! Quando alguém pergunta que posição esse “crítico” tomou, o “crítico” diz que tomou a posição que está no texto, não é óbvio? Como o interlocutor não quer passar por burro, ele concorda com um sorrisinho nervoso. Assim, tome uma posição unânime, como, por exemplo,” a narração em primeira pessoa é a única possível na pós-modernidade, pois não há mais consenso em nossa época miserável e etc.” e concorde com ela, mas ponha uma ressalva com reticências, como, por exemplo, “mas ainda assim a capacidade do escritor de narrar em terceira pessoa pode provocar um estranhamento na atual... e blá, blá, blá.”

4) Tenha uma regra que envolva sexo. Tipo, não faça sexo durante a escrita. Ou faça muito sexo antes, durante e depois. Sexo traz sempre público. Sexo escrachado tornou-se um paradigma na ficção contemporânea. Se não houver uma cena de sexo pornográfica, então o escritor é pudico. Já até existem regras específicas para se escrever cenas de sexo. Então, fica esperto e inclua alguma regra que fale sobre sexo.

5) Deve haver regra sobre alguma mania. Tipo, não tomo café antes de escrever mil palavras. Ou: Eu dou um pulinho, cinco voltas, coço o nariz, escrevo antes de cagar, etc e etc.

6) Diga também: escreva, escreva sem parar, escreva de manhã, de tarde e de noite. Essa é manjada, mas parece que escritores e aspirantes a gostam muito.

7) Tenha alguma regra ascética. Pode (não...) envolver sexo nela, do tipo: não faça sexo durante... Ou pior! Pode ser uma regra completamente torturante, como “escreva desconectado da internet”.

8) Ponha uma regra que você provavelmente não siga. Como, “Não leia ficção”. As pessoas ficam assustadas por um escritor de ficção não ler ficção, mas essa regra já serve para afastar a estapafúrdia atitude de neófitos mandarem originais para os velhos. Ou fale provavelmente o contrário, como: “Leia tudo que caia no seu colo, até bula de remédio”. Outra regra: “Não veja tv...”, mas essa pode ser incluída na categoria anterior.

9) Diga que a vida de escritor é difícil, que ele sofre muito, etc. Diga que a vida de escritor é pior do que a de um pedreiro, bombeiro (o que salva vidas e o do outro tipo), desarmador de bombas, policial ou narcotraficante.

10) Bem, aproveite a fama repentina, se houver. Nesse momento, é que você deve empurrar os seus originais para os editores... E não para outros escritores que

11) Sempre termine com um número redondo ou cabalístico. 13 regras, 10 regras, 7 regras, 3 regras... Não faça como eu e termine num número chato e depressivo como o onze (apesar de ser um número-primo, etc.).

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