sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Da Necessidade dos Jogos

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Em meu penúltimo post, falei sobre a necessidade da guerra, o que muitos amigos meus podem considerar uma blasfêmia. Mas comentar sobre a necessidade dos jogos, apesar de não suscitar tamanhas dúvidas, é, ao mesmo tempo, simples e complexo. Além disso, este escriba, apesar de parecer temerário, crê ser possível traçar um paralelo entre os jogos e as guerras.

Por que jogamos? Por que assistimos jogos? Por que paramos tudo para ver vinte dois homens em um combate para colocar a bola no gol do adversário? O que nos faz aguardar ansiosos essas partidas, esses jogos? Por que, enfim, chegamos a sofrer por eles?



Alguém pode repetir o lugar-comum: para matar o tempo (como se o tempo fosse mortal, como se o tempo fosse algo de inconveniente, como se o tempo se importasse conosco). E alguém ainda relembraria a máxima machadiana: Matamos o tempo, e o tempo nos mata.

Pois bem, a questão do tempo é fundamental ao analisar os jogos, mas, se afiarmos a faca do raciocínio (outra metáfora machadiana - olha o plágio!) e a enfiarmos mais fundo em nossa consciência, podemos chegar a algumas não totalmente desarrazoadas conclusões.

Marx, uma vez, comparou a religião ao ópio. Com os jogos, podemos fazer o mesmo. Os jogos são uma espécie de narcótico em que nos mergulhamos para esquecer nossas preocupações outras. Serve para divertir, para nos distrair - enfim, para matar o tempo. Os jogos e, em especial, os grandes esportes coletivos servem para transferirmos nossas expectativas e anseios para os outros, para os nossos representantes. Assim, quando vemos nossa seleção massacrar a seleção de nossos hermanos argentinos, uma felicidade bastarda surge em nossos corações. Bastarda por quê? Simplesmente, por ser uma felicidade que depende necessariamente da infelicidade alheia. Em um jogo, para existir um vencedor, sempre haverá um perdedor. Para existir um campeão, deverá haver muitos perdedores. E, ao nos identificarmos com um time ou com uma seleção (que seja de vôlei, de rugby, de basquete!), transferimos nossos sucessos e frustrações para esse time. Assim, se você é flamenguista, corintiano, vascaíno ou - sei lá - atleticano, você ficará feliz ou infeliz se o Flamengo, o Coríntias, o Vasco ou o Atlético ganhar ou perder e, dependendo do resultado, você estufará o peito e desfilará orgulhoso pelas ruas.

Nada mais ilógico e irracional. Seríamos, no entanto, vulcanos e não humanos se não fosse assim. Precisamos de emoções e precisamos de significados. Ora, os jogos nos dão isso, não dão? Primeiro, os jogos são claros, ou, pelo menos, tentam ser claros quando definem suas regras. Segundo, nos jogos, sempre há vencedores e perdedores, mesmo quando há a possibilidade de empates, pois o empate normalmente é mais vantajoso para um dos envolvidos. Terceiro, jogos ocorrem durante um breve período de tempo. Durante esse período mágico, esquecemos nossas preocupações.

Ora, tanto a questão de matar o tempo quanto a de nos esquecer de nossas preocupações me remetem ao filósofo francês Pascal. Ele, tal como Marx percebeu a religião um ópio, considerou o jogo um narcótico só que não "usado" para escamotear a realidade sócio-econômica, mas, sim, para nos distrair de nossa condição humana. Ao ler algumas notas de Pensamentos, vejo que Pascal, há séculos, pensou e exprimiu muito melhor os pensamentos deste pobre escriba.



pascal.jpgTrechos de Pascal como: Por mais triste que um homem se ache, se acaso o convencermos a entrar num divertimento, será feliz durante esse período; e o homem mais feliz, se não se estiver divertindo e ocupando com alguma paixão ou com alguma distração que impeça o tédio de se propagar, logo se sentirá triste e infeliz.

Sim, jogamos e assistimos os jogos e combates para derrotar o Tédio! Mas o Tédio conta com o senhor Tempo para ganhar a partida. É como jogar xadrez contra a Morte (se você assistiu O Sétimo Selo, vai perceber que é difícil enganar a enganadora) ou contra o Deep Blue (pobre Kasparov...). E tudo isso para enganar a nós mesmos, segundo Pascal, sobre a nossa verdadeira essência: nossa condição miserável. Sem os jogos, as distrações, as companhias, as conversas fiadas e todas as nossas pequenas e grandes paixões, nós ficamos sós. Ficamos entediados e, ainda segundo Pascal, percebemos toda a nossa miséria. Por essa razão, para o ser humano, é mais importante a caçada do que a caça. É mais importante o ato de caçar, que nos distrai, que nos anima, que nos dá um objetivo, do que alcançar esse mesmo objetivo. Depois que o alcançamos, o que mais? Somente importunar os outros com a nossa grandeza!

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Será mesmo assim? Não há uma certa nobreza nesses jogadores e esportistas? Não há nenhum ideal que justifica os esportistas a irem cada vez mais além? Não há nenhuma vontade de grandeza em ser o melhor jogador?

Ora, aqui entra outro importante componente: o orgulho. A vontade de ser melhor que todos. A vontade de ganhar. Tudo isso que nos faz humanos, correto? E, por meio de uma catarse impura, nos identificamos com os nossos ídolos, bebemos um pouco na taça da vitória quando eles ganham e sofremos suas dores quando pressentimos a derrota.

Tudo para matar o Tempo, afastar o Tédio e enganar a Morte.

E, quando você for assistir um jogo de futebol, ou uma partida de tênis, de vôlei ou do quer que seja, pare um pouco e medite, meu amigo, sobre sua condição. Sobre sua mísera condição. E, se você não acredita em toda essa filosofia negativista (como diria um defensor do pensamento positivo), se você não acredita no silêncio eterno do espaço infinito, pense mesmo assim. Não custa nada, ou, melhor, custa tudo. Toda a sua vida. Toda a sua existência. Pense, meu amigo. E considere também que, enquanto você sofre porque um dos jogadores de nossa seleção perde uma jogada, os jogadores ganham muito bem, por causa de nossa necessidade de enganar a tríade Tempo, Tédio e Morte.

Mas o que das invenções e paixões humanas não é usada exatamente para isso? Tudo o que fazemos, desde o despertar até às nossas mais caras ambições - quer seja ganhar na mega sena, quer seja comprar um carro de última geração, ou tornar-se famoso, ou escrever um livro para alcançar a imortalidade, ou construir o maior edifício de todos os tempos - enfim, tudo o que é humano e o que os homens tentam, tudo isso serve para nos fazer esquecer de nosso destino, que é... Bem, não lembremos assuntos desagradáveis.

E, se a guerra pode ser considerada um grandioso e infernal jogo, melhor para nós ficarmos com nossos divertimentos inofensivos e pouco nocivos. Melhor ficarmos com nossas pequenas paixões e controláveis vícios! Do que abrir nosso desejo e apetite niilista de tudo devastar... Não, não sejamos tão pessimistas. Por favor, acreditemos no amanhã! Amanhã, meus amigos, será melhor do que hoje. Tenham certeza disso, e não mais me importunem com essas preocupações metafísicas.

No mais, tenho dito.

Vou assistir a algum jogo, qualquer um...




(Por que comento os jogos? Provavelmente, porque sou um obcecado por jogos! Sou um viciado por todo e qualquer tipo de jogo, com exceção, talvez, de beisebol, futebol americano e cricket. Basta eu começar a assistir e começar a entender as regras... Se estiver passando qualquer jogo, qualquer evento esportivo, abstraio completamente de mim mesmo. De minha incômoda presença. Sou um viciado, admito, e, apesar de reconhecer seu vício ser um passo decisivo para a cura, ainda curado não estou. Hoje, fico longe de tudo que possa acender minhas paixões. Mas é difícil, não é mesmo, meus amigos?)

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