sábado, 5 de setembro de 2009

A Vaca Mimosa se Apresenta ou a Revolta dos Animais

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Venho aqui, a contragosto e com muita má vontade (e, obviamente, correndo perigo de ser "despachada" desta para melhor), me insurgir contra vocês, seres humanos, destruidores de meus iguais, sanguinários de minha espécie, carniceiros de minha prole.

Ó seres humanos, como vocês podem ser tão sedutores e tão gentis, quando nos alisam, quando nos alimentam, quando nos ordenham! Podem ser também cruéis nos machucando e maltratando, batendo e chicoteando! Cruéis quando nos separam de nossa prole, para nosso leite melhor tirar! Mas todos, os gentis e cruéis, sempre têm algo em comum. No tempo da matança, vocês, sem piedade nem dó, nos abatem como se fôssemos apenas alimento! E, para vocês, raça mísera, somos apenas alimento! Não é verdade? Vocês podem até mesmo falar conosco, como muitos de vocês fazem. Mas a mesma mão que nos afaga é a mão que nos mata.

Vivo no campo. Apesar de haver muitos pastos verdejantes, eu sei que sou uma prisioneira. Há cercas com arame farpado se eu andar para qualquer um dos lados. Muitos dos meus iguais não se importam, desde que tenham pasto e água.
 
Afirmam que basta ter comida e um pouco de espaço para caminhar. Aliás, aqui em minha prisão, há muito espaço. É uma das maiores prisões de gado que jamais vi ou verei. Sei qual é o meu destino. Uma vez, vi o que vocês fazem conosco! Com os meus próprios olhos!

Porque devo dizer que muitos de nós não acreditam. Conheço o boi Zebu, defensor da raça humana, que me difama perante o nosso rebanho. Afirma ele que estou com a doença da vaca louca, que eu sou uma comunista, que sou uma porca safada (não gostamos dos porcos como vocês gostam!). O boi Zebu, em vários discursos, ataca meus argumentos contra vocês, humanos, e defende que, sem a sua ajuda, estaríamos entregues à sorte da Mãe Natureza, que seríamos presas de onças ou cachorros-do-mato. Os seres humanos, segundo ele, por sua bondade infinita, prepararam e cercaram verdejantes pastos para que nós, os seres bovinos, pudéssemos tranquilamente viver. Os seres humanos são os nossos mais queridos irmãos! Que raça benigna! Que espécie maravilhosa! Foi por isso que Deus concedeu a eles a inteligência, que é capaz de moldar a natureza a seu bel-prazer.

Devo confessar que, por muito tempo, segui as orientações do rebanho. Boi Zebu é o macho reprodutor. É o dominante. É dele a tarefa de transar com todas as vacas de nosso rebanho, inclusive eu. Dele, já tive dois machos. Boi Zebu gosta de ser líder e ama os seres humanos. É um macho feliz e musculoso. Diz ele que já foi levado a exposições onde era mostrado e admirado por muitos humanos. Fiquei impressionada, devo admitir. Mas vou contar por que me transformei em crítica dos humanos.

Alguns de nós, mais desconfiados do que a maioria, sempre suspeitaram da benignidade humana. Sempre éramos separados em determinadas épocas do ano. Escolhiam alguns e esses eram levados embora e nunca mais os víamos ou ouvíamos falar deles. Boi Zebu e os defensores dos humanos sempre argumentavam que esse gado estava sendo levado para terras melhores ou, se houvesse alguém de quem não gostássemos, afirmavam que eram degredados para as terras sem lei.

Não sabíamos para onde iam os nossos iguais. Poucos se importavam, no entanto. O que importava era a comida, o tempo e o sexo. Não pensamos muito. Pensar é um hábito dos humanos. Sei que não da maioria, é claro.

Eu vivia a minha vida, como todas as outras vacas daqui. Quando tive meu último bezerro, que nasceu manco. Eu senti por este filho um amor sem limites. Queria protegê-lo de tudo e de todos. Os humanos conversavam muito entre si, aparentemente sobre ele. Eu não sabia o que eles estavam mugindo (o mugido de vocês é muito irritante, parece com o dos macacos). Mas, com certeza, as ideias trocadas eram sobre o meu pobre bezerrinho. Então, eles o levaram. Eu briguei, embirrei, tentei fazer de tudo para protegê-lo. Mas vocês são mais hábeis e mais espertos. Ludibriaram-me. Meu bezerro muito mugiu, em súplica. Vocês o levaram, no entanto. Fiquei arrasada e, naquela noite, não fiquei junto com o rebanho, mas, sim, permaneci perto do curral - lugar onde somos constantemente usadas e abusadas por vocês.

Meu bezerro me chamava a noite toda. Sabia que ele estava me chamando e eu o chamava de volta. Ficamos nesse suplício durante toda a noite. Em algum momento, comecei a ouvir o som de facas sendo afiadas. Tornei-me atônita. Prestava atenção em cada movimento. Meu filhinho foi levado do curral para outro lugar. Um garoto, que acompanhava os adultos, voltou-se para mim e passou o dedo indicador pelo pescoço, fazendo o sinal de morte. Fiquei horrorizada e aumentei meus brados pelo meu filhinho manco. Os homens nem sequer me olharam, continuaram seu caminho, com meu bebê manco logo atrás. Eu os perdi de vista.

Meu filho não mais berrou naquela noite.

Perturbada permaneci por muitos dias. Nesse momento, comecei a perceber que vivíamos em uma tirania. Pode uma mãe ficar longe de seus filhos? Pode uma mãe ser separada dos seus filhos para dar o leite para estranhos? E se eu quiser sair para encontrá-lo? Eu estou presa aqui. Completamente presa. Sou uma escrava.

Nesse período, eu procurei o velho touro Barnabé. Já estava idoso e seu ódio aos humanos era imputado por estar totalmente esquecido por eles. Eu o procurei, porque comecei a concordar com os seus pensamentos. E foi assustador o que ele me disse.

O touro Barnabé participara, quando jovem, dos grandes torneios. Nessas idas e vindas, ele viu terríveis fatos. Acusou os humanos de serem vampiros. "Vampiros?", perguntei aterrorizada. "Sim, vampiros", ele continuou. "Vampiros que nos matam a todos, arrancam nossas tripas e abocanham nossa carne. Eles nos puseram aqui para engordarmos, para ficarmos fortes e para, em seguida, usar nossa carne em seus festins diabólicos. São desumanos os humanos. Outros animais que nos caçam, como as onças ou leões, só pegam um ou outro e se satisfazem somente com o necessário. Os homens, não. Para eles, temos que viver uma vida na prisão, uma vida de servidão para, no final, sermos abatidos como porcos! E eles usam tudo de nós. Até nossa bosta!! Até nossa bosta eles usam como adubo! São feras egoístas e descomunais! Eles nos prenderam aqui e a matança deles é metódica e cruel. Entramos em uma fila, em uma grande indústria, e somos abatidos em uma linha de produção. Depois, nos esquartejam e vendem a nossa carne para muitos outros humanos. Chamam isso "lucrar". Fiquei aterrorizado, pois vi um irmão ser devorado por eles, no que chamam "churrasco". Porcos são todos os homens", bradou o velho Barnabé.

Aterrorizada permaneci. Por muitos anos, acreditei em vocês. Amei vocês. Sei, no entanto, que santos vocês não são. Mas ainda tremo com os mugidos de Barnabé. Ainda não consigo acreditar. Então, a nossa vida é apenas isto ? Ser pasto para vocês? Me respondam, pelo amor da Mãe Natureza! Eu custo a acreditar! Quero saber. Quero saber toda a verdade, caros carrascos.

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