segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Justiça é boa... para os pobres criminosos


Vivemos em um Estado Democrático de Direito e, sob a égide da justiça, sob o seu escudo protetor, deveríamos viver a nossa minúscula vida de cada dia. Deveríamos ter a consciência de nossos direitos e deveres, deveríamos respeitar as leis, deveríamos viver em harmonia e paz com os nossos semelhantes (e, com isso, não haveria necessidade das leis e de legisladores), deveríamos viver nossa minúscula vida de cada dia sem estresse e sem temor. Sem o medo constante de ser esmagado por outro ser humano. Mas, ai de nós!, a nossa pobre condição humana está cercada de perigos e monstros por todos os lados, sendo o maior monstro o próprio homem (e mulher também, preste atenção!, não sou machista!). Sim, eu sei que há perigos que não são humanos, como terremotos, maremotos, raios, aquecimento global (espera, mas esse não fomos nós que criamos?...) e a fúria dos deuses. Contra esses males, pouco ou nada podemos. Mas o mais insidioso mal, aquele que merece o nome de mal, é o mal do próprio ser humano. E, contra esse mal, o homem sempre se dirigiu à Justiça.


Primeiro, a divina. Mas, como a divina por vezes muito tarda, começaram os homens a procurar implementá-la por si mesmos. Não pretendo escrever nenhum tratado jurídico, pois não sou jurista; muito menos filosófico, pois de filósofos quero distância, a não ser de dois ou três. Lembro apenas que aparentemente Trasímaco estava certo e Sócrates, errado. Trasímaco era o truculento sofista que atacava Sócrates no diálogo filosófico A República de Platão. O sofista assim define o justo: "Sustento que justo não é senão o interesse do mais forte". Claro que Sócrates (ou Platão...) não deixaria barato essa definição e trataria de desmontá-lo e refutá-lo (e como Sócrates é bom nisso!), mas, ainda assim, o argumento de Trasímaco é o argumento de muitos. Não o argumento público, mas o privado, aquele que efetivamente se põe em prática contra os otários.
Neste mundo sem lei, ou neste país com muitas leis - que, como dizem os sábios, não "pegam" ou pegam apenas para aqueles com parcos recursos -, a vilania, a esperteza, a corrupção, a mutreta, a artimanha, a força imperam. Somos coagidos a todo momento, não podemos caminhar em paz, estamos cercados pelo medo e pela violência. Além de balas perdidas, devemos temer todos que se aproximam de nós, devemos ter medo vinte e quatro horas por dia, pois, se somos assaltados dentro de uma delegacia, podemos ser assaltados em qualquer lugar. Estupros, assassinatos, roubos, espancamentos... Vocês podem escolher o crime. Temos para dar e vender. Alguém quer exportar índice de criminalidade aí?
Estou sendo pessimista? Ou apenas realista? Responda-me você, leitor.
Mas, ai de mim!, estou falando da justiça e estou sendo injusto. A Justiça, como podemos observar nesses últimos anos, é muito boa, muito carinhosa, muito indulgente... com os criminosos!
Ou melhor, com os pobres criminosos brasileiros. Esse grupo social - que pertence a diversas classes sociais -, por longo período, sofreu a indiscriminada perseguição de todos os setores da sociedade, até o momento em que a Justiça conseguiu equilibrar essa situação. Pobre criminoso brasileiro! Mas me refiro tão-somente aos condenados por sentenças transitadas em julgado, vejam bem. E não me refiro aos nobres cidadãos que já pagaram por seus crimes em presídios infectos e que hoje caminham livres. Esses são verdadeiros cidadãos, apesar do clamor popular, às vezes, considerar o contrário, e eles devem ser tratados com respeito e dignidade, mesmo sendo assassinos, estupradores e ladrões confessos.
Mas voltemos ao nosso tema. A justiça pode ser cega, mas não é má. Os criminosos sabem disso. Os criminosos conhecem todos os procedimentos legais para se reduzir uma sentença. Os criminosos sabem que, se se comportarem bem, poderão viver em regime semi-aberto. Os criminosos acreditam, sim, na Justiça brasileira. Em sua capacidade e sua retidão. Sim, se tem uma categoria que não reclama da justiça, é justamente a dos criminosos. De todas as classes e rendas. Mesmo aqueles que vieram de baixo podem ainda usufruir alguma brecha da lei. Brecha?
O criminoso brasileiro é um pobre coitado. É uma vítima da sociedade. É alguém que ficou sem saídas, que saiu das favelas, que cresceu em meio à pobreza mais extrema... Ele sai de sua humilde casa, carregando sua arma na mão para mais um dia de trabalho, cheirando sua coca ou fumando sua maconha para tomar coragem, rezando para tudo correr certo, para roubar, assaltar e matar. Matar, é claro, só se for necessário. Alguns há que até matam quando não é necessário, mas são casos de psicopatia em que os psicólogos ainda discutem se eles podem ou não ser considerados culpados. Sim, eles saem para roubar e até para matar, mas podem ser considerados culpados? Eles foram levados a isso pela sociedade! Não podem ser culpados, pobres criminosos brasileiros. Se matam, é por necessidade. Se estupram, é por causa do efeito dos narcóticos. Se estouram a cabeça de um trabalhador, de um pai de família, não é por culpa deles. Eles devem ser julgados sem preconceitos. Devem ser tratados sem proselitismo. Os pobres, que não seguem o caminho do crime, que levantam antes do sol raiar e que voltam depois da novela das nove, que trabalham o dia inteiro, que quase não veem seus filhos e netos, que enfrentam as filas dos hospitais públicos, que recebem o salário mínimo mais mínimo do mundo, que engolem humilhações atrás de humilhações, bem, esses pobres são a exceção (! - ponto irônico!!!). Esses pobres, que constituem o grosso da população brasileira, são a exceção, enquanto a minoria de criminosos é a regra.
Culpada é a sociedade. É a elite. A elite, não. A elite se esconde atrás de uma multidão de seguranças ou se muda para Miami. A culpa é da classe-média. Maldita classe-média! Essa é culpada de todos os crimes. E qual é o pior crime que a maldita classe-média cometeu? Ela existe! E pior! Insiste em continuar existindo. Mas, vejamos bem, a classe-média ainda serve para alguma coisa. Serve para pagar impostos, por exemplo. Serve para ser assaltada. Serve para ser mutilada, seviciada e escorraçada. Sim, essas são algumas utilidades da altiva classe-média. Pois é a classe-média que passa com seus possantes carros, com seus elegantes celulares, com seus caros tênis na frente dos míseros pobres. É a classe-média que, a um mesmo tempo, seduz com sua elegância e riqueza e agride os pobres com sua indiferença e menosprezo. Como todo estuprador alega que a culpa não é dele, que ele foi seduzido pela estuprada, o criminoso é seduzido pela riqueza da classe-média, por seus carros e seus objetos. Maldita classe-média culpada por todos os crimes! Maldita classe-média brasileira que não tem mais a quem recorrer! Vai, vai pra Miami, classe-média!
Dessa forma, o pobre criminoso brasileiro não mereceria ir para os nossos presídios. Está na hora de alguém tomar uma atitude! Está na hora de se abrirem as portas das cadeias e presídios para todos os criminosos de lá saírem! Está na hora de mudar radicalmente a legislação penal. Sem ordem nenhuma. Sem transição nenhuma. O Brasil é o país das transições, o país das mudanças. Mal fazemos uma constituinte, e já estamos reformando, emendando e costurando a Constituição. Minha proposta é radical! Devemos não encurtar a maioridade penal para os dezesseis anos, mas expandir a menoridade penal para os trinta, para os quarenta ou cinquenta. Pois, se um rapaz de dezesseis, dezessete anos pode roubar, matar, estuprar sem piedade e, depois de três anos, sair livre, leve e solto, por que não um homem de cinquenta, quarenta ou vinte anos? Que contradição! Devemos acabar com essa herança. Só depois dos cinquenta! Só com essa idade o pobre criminoso brasileiro terá a noção de certo e errado, só depois dessa idade poderá ser responsabilizado!
Além disso, devemos colocar nas cadeias, para não perdermos esse investimento em edifícios, os "inocentes" e "honestos" da classe-média, da classe dos trabalhadores. Enfim, os honestos de todas as classes sociais. Todos os que ainda podem ser considerados inocentes! Eles que devem ir para cadeia, eles que devem ser culpados de alguma coisa! Pois, se, em nossa terra, eles resistiram e não cederam à tentação do crime, da corrupção e da contravenção, então algum problema eles devem ter. Os inocentes e honestos é que estão errados! Eles que são a exceção! Cadeia neles!
E ao pobre criminoso brasileiro poderá ser dada a oportunidade de viver sua pequena vida, de cometer seus roubos, de perpetrar suas atrocidades. Bem, mas contra quem se os honestos estarão na cadeia? Poderão cometer entre si! Ou passar algum tempo nos presídios para cometerem suas maldades. Pobre criminoso brasileiro! Devemos ter pena deles, passar a mão em suas cabeças e perdoar todas as suas faltas.
Mas contra os dito honestos, não. Sem piedade! Sem perdão! Não podemos mais ser lenientes, não podemos mais ser coniventes. Temos de ter coragem! Bola para frente, Brasil!

(Não estou incluindo nessa categoria os criminosos políticos e os chamados de colarinho branco. A Justiça com eles sempre foi severa e... injusta... A despeito de todos os argumentos legais, jurídicos e extra-jurídicos, os contraventores de colarinho branco e políticos corruptos continuam sendo condenados e encarcerados em masmorras injuriosas e absurdas. Os pobres políticos e os inocentes corruptores se encontram trancafiados em verdadeiras bastilhas, onde há ar-condicionado, quadra de tênis, piscina, sauna e churrasqueiras. Um absurdo! O STF vem sistematicamente condenando autoridades, sem temer as consequências. Há até um movimento da Anistia Internacional contra essa severidade que dizem ser excessiva por parte das autoridades brasileiras. Eu considero que não, pois concordo com tudo o que nosso governo faz. Sou um cara pró-ativo. Se o governo veicula em rede nacional que o Brasil é uma maravilha, eu acredito!)

Um comentário:

Comente.
Assim que puder, eu libero (ou não...) o seu comentário.
Abraços.

Web Analytics