quarta-feira, 30 de junho de 2010

Copa do Mundo: Grandes e Pequenas Ilusões

(Atenção! Se você procura um post em que se esculache a seleção brasileira e o técnico Dunga, vá procurar em outro lugar. Não os defendo e nem os acuso. Este post foi escrito antes da derrota brasileira e possui um intuito, digamos, “filosófico”)
Há pouco tempo, escrevi um post sobre a Copa do Mundo, intitulado A Copa do Mundo ou a Grande Preparação, no qual eu, em breves linhas, defendia que a copa do mundo de futebol ou, se você for um leitor norte-americano, de soccer ou qualquer outro grande evento esportivo serve para um escape de nossas tendências bélicas e, ao mesmo tempo, para uma preparação para guerra. Se quiser ler essa pérola, vá lá, leitor.
Só o cito demoradamente, porque, em determinado momento do post, eu, em minha auto-ilusão, afirmei que ganhar ou perder a copa do mundo pouco ou quase nada significaria em nossa mínima vida cotidiana. Em meu argumento, ganhar a copa significa muito para os jogadores, a comissão técnica e seus patrocinadores. Mas um amigo, que não gosta muito de internet e que leu meu texto depois de muita insistência minha, comentou essa passagem do seguinte modo:
"Não interessa se a vitória ou a derrota realmente significa pouco para nós, torcedores. Significa muito, pois acreditamos que significa muito. É uma ilusão, mas as ilusões são reais para quem acredita nelas."

Fiquei estupefato. Ele estava certo e eu, errado. Era o óbvio ululante! A ilusão de ganhar, a ilusão de ser o melhor do mundo, a ilusão de participar de uma comunidade! Fomos criados, desde o berço, para acreditarmos que futebol realmente importa e importa muito. Fomos condicionados, por nossos parentes, por nossos amigos, pelos meios de comunicação, tal como os cães de Pavlov, a amar o futebol, a torcer por nosso time, a nos identificar com a nossa seleção.
Dessa forma, o futebol se torna um grande espelho, um espelho para nossas ilusões acerca de nós mesmos, um espelho ideal, virtual, que nos faz sofrer no momento das derrotas, mas que nos alivia e salva nas grandes vitórias. Assim, um flamenguista é acossado por vascaínos, botafoguenses e fluminenses quando o seu time perde para qualquer outro. Da mesma forma, quando o time vence, o flamenguista se pavoneia para todos. Nós nos identificamos por meio do futebol, pertencemos a algo maior, temos a ilusão de que somos um grupo.
E tudo isso para quê?
Para Nada? Para Tudo?
Conforme já escrito por mim (especialmente em Da Necessidade dos Jogos), tudo isso para matar o Tempo,  afastar o Tédio e enganar a Morte.
Nossas ilusões, as maiores e menores, nos acalentam, nos acalmam e nos mantêm, em suma, vivos. Enquanto temos esperanças (outro nome para as ilusões), nós continuamos trabalhando, continuamos resistindo, continuamos lutando. A esperança é a última que morre, sim, pois, depois de morta, mesmo o mais jovem dos homens, desiludido, é como o exemplo último da morte.
A ilusão, enfim, nos dá a realidade. Ou, melhor, dá à realidade algo que lhe falta, algo que lhe dá o sabor, algo que tempera e que ilumina. Sem ilusão, sem paixões, que é o homem? Que é o ser humano?
Há grandes e pequenas ilusões. Alguns chamam as grandes de ideais; outros chamam as pequenas de desvarios, idiotices, sonhos, maluquices. As grandes ilusões são capazes de arrastar massas, de construir nações, de desvirtuar multidões, de abrir mares, de quebrar recordes, de desvendar mistérios antes tidos como insolúveis.
Assim, um exemplo de ilusão é o nosso amor pelos esportes. Em particular, e no caso brasileiro, o futebol. Amamos e sofremos pelo nosso time. É de nossa cultura. É de nossa história. Repetimos sempre o mesmo ritual. Onze jogadores contra onze jogadores. Um objetivo definido. Regras impostas. Símbolos e marcas, definidos. Nós contra os outros. Dessa forma, cria-se virtualmente uma nova ordem de valores. As pessoas se apaixonam por isso. As pessoas comentam, falam, ironizam, se comovem, sofrem, se jubilam, se estressam, morrem e vivem disso. Um marciano, se assistisse a nossos atos durante os jogos, perguntaria a si mesmo por que os seres humanos se consideram racionais.
Pois, em muitos momentos, somos o exemplo último de animais irracionais. 
Não sou pessimista total por causa do "em muitos momentos". Se eu o fosse, diria “sempre”. Na verdade, a despeito das opiniões mais inflamadas e em minha humilíssima opinião, somos uma mescla de racionalidade e irracionalidade. Nosso coração possui razões que a razão desconhece, assim como o nosso estômago, nosso fígado, nosso sexo… Somos uma mescla de loucura e razão, de emoção e de intelecto. Somos feitos dessa matéria. Isso já foi cientificamente provado pelo neurologista-filósofo António Damásio, em livros como O Erro de Descartes, mas também já tinha passado pela percepção de filósofos e escritores de séculos passados, como Espinosa e outros.
Mas fui longe demais. Aqui se trata simplesmente de uma sátira ao futebol. Todo mundo ama futebol, correto? Em nosso país, todo mundo é obrigado a amar o futebol, senão é considerado louco, excêntrico, idiota, etc. Em nossa paixão pelo futebol, cometemos os mais variados desvarios. Me lembro de um torcedor do Vasco da Gama que, ao ver seu time rebaixado, ameaçou se matar. Ridículo, correto? Hoje, considero que não. Para aquele torcedor, devia ter sido uma perda dolorosa. Se ele é ridículo, talvez seja porque todos sejamos ridículos. Ele só foi um pouco mais exacerbado em sua paixão. Mas, em nossa paixão pelo futebol, em particular, e em nossas paixões, em geral, admitimos algumas loucuras regradas pelo que chamamos de bom-senso. Permitimo-nos vitupérios, xingamentos, êxtases desmedidos, gritos, chiliques, agarramentos, arroubos, etc. Ficamos, enfim, descontrolados e consideramos isso basicamente normal. Sofremos e achamos normal. Gritamos, e é normal!
Esta é a ilusão do futebol ou de qualquer outro esporte coletivo. Cria a ilusão de que somos nós, torcedores, que ganhamos ou perdemos um jogo. Na verdade, enquanto torcedores, não ganhamos nem perdemos nada. Apenas, torcemos…
Podem afirmar os defensores do futebol que o esporte une as pessoas. Isso é uma meia verdade. A torcida de futebol une os torcedores do mesmo time. Une-os e, dependendo, une-os de tal forma que se tornam um grupo fechado e, às vezes, um grupo agressivo. A formação de times – a diferença entre nós e eles – está na base mesma do gozo do futebol. Ganhamos, somos melhores, somos o número um, enquanto os outros são o resto. Assim, se o futebol, por um lado, agrega os torcedores de um mesmo time, por outro, cria uma rivalidade entre os torcedores de times diferentes. E dessa rivalidade, às vezes, surge a mais pura agressividade. Claro está que o futebol ou qualquer outro esporte não é culpado pela a agressividade de seus torcedores. No entanto, eu só afirmo que o esporte confere um pretexto para a agressividade e, dependendo do vínculo emocional dado ao esporte, vários torcedores tomarão como ofensa pessoal qualquer tipo de desabono ao seu time.
E, durante a Copa do Mundo, duas ilusões se entrelaçam de forma profunda. Nacionalismo e futebol. Mas me perguntarão se considero verdadeiramente a nação, a pátria, o país uma ilusão? Bem, em última instância, sim. A nação é uma ilusão. Somos brasileiros porque outras nações existem. Somos brasileiros enquanto existem países diversos. “Apátrida, antipatriota, entreguista”, podem me acusar. Sou brasileiro, pois tenho certeza disso, mas posso afirmar, junto com um Fernando Pessoa, com um Shakespeare, com um Machado de Assis, que mesmo o sagrado nacionalismo é uma ilusão. Uma construção humana. Não uma construção racional, mas, sim, uma construção histórica, uma construção acidental, uma construção acadêmica, uma construção não irracional, mas, sim, não-racional (compreenderam a diferença?). No entanto, o nacionalismo, como forma de agregar e de dirigir, é extremamente eficiente e, mesmo em tempos de globalização, continuará existindo, podendo em algum momento recrudescer. Nação – o nós contra os outros – é e será o futuro do mundo. O Estado assentou-se no princípio do nacionalismo e, quando precisam aumentar os impostos ou impor outros tipos de sacrifício, sempre os estadistas apelam para os instintos nacionalistas. Nada de errado nisso, se você for um estadista… Sou nacionalista na medida em que a nação é justa. Na medida em que é injusta, devemos denunciá-la!
Mas, voltando ao nosso assunto, durante a Copa do Mundo, nacionalismo e futebol entrelaçam-se em um encontro amoroso. Deste ardoroso amor, nascem arroubos fantásticos nacionais e futebolísticos. É uma verdadeira preparação para… a guerra! Todo mundo quer a paz. Mas, antes da paz, querem respeito! Antes da paz, querem vencer! Porque, quando faltam com o respeito, não faltam aqueles que querem tomar satisfações. Assim também as nações… E qualquer um que entenda de psicologia das multidões entenderá do que estou falando…
Assim, as ilusões – pequenas e grandes – permeiam as nossas vidas. Dão as metas, atribuem valores, fornecem propósitos. Enfim, nos fazem seguir em frente. Você não percebe que são ilusões, pois, se assim percebesse, você não estaria mais iludido, mas, sim, desiludido e desencantado. O futebol, o nacionalismo e todos os grandes ideais podem ser reduzidos a mera ilusões? Tudo é ilusão? Não sei, meus caros. Só sei que nada sei, mas, é claro, que tenho muitas opiniões sobre tudo e qualquer coisa. Me lembro só de uma passagem do poema A Tabacaria de Álvaro de Campos, grande poeta português que muitos acham que é só um heterônimo de Fernando Pessoa. Aí vai a dita passagem:
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta,
Olho-o com desconforto da cabeça mal voltada
E com desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isso se deu.
Bem, é isso.

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