segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Onófrio, o Honesto ou Considerações sobre a Corrupção



Eu já devia ter apresentado para vocês o meu amigo Onófrio. Ele é único. Impagável. O cara mais correto que conheço. Para falar a verdade, Onófrio é o nome do meu herói. A cada semana que passa, a cada dia que se finda, mais eu confio no meu amigo Onófrio, chamado o Honesto por toda a gente. Todos confiam no Onófrio, deixando alguns até a carteira com ele em sua pequena mercearia (pois é, ele é comerciante e um comerciante honesto...), pois sabem que Onófrio nunca os roubaria.
Um fato que Onófrio não entende: como é que existe gente neste grande mundo capaz de passar a perna no seu próximo? Ele meneia a cabeça, olha para o céu e sempre se questiona: como pode existir o mal em tão linda terra? Vá lá, se ele prestasse realmente atenção no sermão do padre, iria lembrar-se que fomos expulsos do paraíso por comer o fruto proibido. O Brasil, para ele, era um paraíso. No entanto, como eu gostava de pensar, o nosso paraíso, às vezes, muito rapidamente se tornava um inferno. Com isso, não quero passar por pessimista nem entreguista. Amo meu país...

Em um bonito dia de céu azul, eu cheguei em sua humilde venda e ele estava conversando com um cliente. Ou melhor, estava ouvindo um cliente. O cliente era Jorginho, contabilista esperto, que também podia chamar Onófrio de cliente, já que a venda precisava apresentar balanço, declaração de rendas e tudo o mais.
Jorginho falava:
- Isso é um absurdo mesmo. Política, no Brasil, tá indo de mal a pior. Antigamente, eles ainda alardeavam: rouba, mas faz. Hoje a gente tem que se contentar com os que não roubam muito. Pagamos um monte de impostos e esses políticos metem a mão em tudo! É mensalão, mensalinho, desvio de verba, sete anões, cpi e o diabo a quatro! É tudo isso e ninguém vai pra cadeia! Eu sou um trabalhador. Um empresário. Corro atrás do prejuízo sempre. Matamos dois, três leões por dia, e lá, no Congresso, o povo tem décimo-quarto, décimo-quinto e nem aparecem na segunda e na sexta. Eu, se eu parar, morro. A concorrência desleal dos outros contadores me mata. Sou um cara pacato, mas, quando vejo um político lambendo os beiços em Brasília, sinto uma vontade enorme de virar bandido!
- Realmente, Jorginho - respondeu Onófrio.
- Eles se acham os poderosos, os mafiosos! Você viu quanta mordomia tem lá no Senado? E vem me dizer que estamos numa democracia. Antes estivéssemos numa monarquia. Pelo menos, os privilégios seriam privilégios, não vinham disfarçados com nomes bonitos. Eles que criam as leis, e a primeira lei que eles votam é o do aumento do salários deles. A segunda lei que votam é o do aumento da mordomia deles. Ser político no Brasil é querer todos os privilégios para si e ainda não responder a ninguém! Fico indignado. Voto, mas voto consciente de que vou ser roubado por essa corja, inclusive pelo meu candidato. Eles, quando são novos, falam que vão mudar tudo, que vão trabalhar pelo povo, que vão ser diferentes... Mas, quando veem as oportunidades e safadezas, rapidamente mudam de ideia! É um absurdo! No dia que eu vir um político trabalhando para os outros e não para ele mesmo, pode ter certeza! É o fim do mundo que tá chegando.
- É. Tá muito triste o nosso Brasil, mesmo.
- E ainda querem que a gente engula tudo isso quieto e feliz. Ficam dando migalhas para os pobres, o que é basicamente todos esses programas sociais, mas, pra eles, fica do bom e do melhor. Só caviar! Caviar e uísque de sessenta e cinco anos, meu amigo.
- E olha que o uísque tá caro, hein?
- Eu que o diga! As despesas só aumentam lá em casa. Além disso - e Jorginho dá uma piscadela maliciosa -, tem as despesas lá da outra.
Onófrio não gostava muito desse papo de amantes, ele era completamente fiel a sua digníssima, mas, como bom comerciante que era, sabia perdoar os pecados dos seus clientes. Jorginho falou mais baixo do que o costume e percebi a cara de bobo do meu grande amigo, enquanto eu procurava os produtos do meu interesse. Não sou muito de ficar ouvindo a conversa alheia, mas meu interesse pelo ser humano sempre foi muito grande. Tentei escutar algo, mas era sempre a mesma conversa de homem: eu fiz isso, eu fiz aquilo, ela ficou assim, ela ficou assado... O papo tomou outro rumo quando Jorginho comentou sobre o seu retorno.
- Passei pela BR...
- Puxa, Jorginho! Você não sabe o que aconteceu comigo na BR outro dia!
- O que aconteceu, Onófrio?
- Meu carro foi apreendido.
- O seu carro?
- Isso. O meu carro. Aquele que tenho há dez anos. Vinha eu com o meu calhambeque da casa de minha sogra. Estávamos eu, minha mulher e minha cunhada. Meus fihos não querem mais saber desses programas de família. Querem ir pra praia, namorar, ouvir música alta! Bem, não vem ao caso. Estávamos nós no carro, felizes da vida, com o bucho cheio, falando besteira, rindo alto, quando o policial me parou. Era um moreno alto, com cara de mau. Estava com óculos escuros. Disse: "Boa tarde, seu guarda". Ele logo me corrigiu: "Não sou guarda, sou policial e policial federal". Mesmo assim, comentei que estava uma bonita tarde e eu acho que ele apenas resmungou alguma coisa. Me pediu os documentos, meus e os do carro. Foi aí que me lembrei! A droga do documento do carro estava vencido! Mas era mera formalidade, não é? Mostrei os documentos. O policial, com a cara fechada, mandou eu parar ao lado do posto. Não preciso nem dizer que minha mulher e minha cunhada se entreolharam ansiosas. Conduzi até o local, desci do carro e ele começou a abrir o porta malas, a vasculhar tudo, como se eu fosse um criminoso. Afirmei que tinha acabado de fazer revisão, que o carro tava em ordem, que... Enfim, tentava estabelecer um diálogo, mas nada. O policial nem quis saber. Disse que tinha que apreender o veículo, pois eu estava com documento vencido, que a lei tal é essa! Aliás, ele nem falou muito. Só resmungava. Nem olhava para mim direito. Mandou todo mundo sair. Eu fiquei sem saber o que fazer. Tive que pagar multa, pagar o tempo que o carro ficou apreendido e ele ficou dois dias! Ainda por cima, tive que ligar para meu concunhado. Quando ele chegou, falou que a gente tinha que conversar com o policial. Para arranjar um jeito, um jeitinho... Eu fiquei assombrado! Claro que não! O cara era todo sério. Aí sim que eu ia me ferrar! Só confusão!
- Como é que era mesmo esse guarda? - perguntou Jorginho, que prestara parcialmente atenção na narrativa. Onófrio fez uma descrição sumária, e os olhos de Jorginho brilharam: - Mas é o Frias, Onófrio. Você tinha que ter conversado com ele... Ele liberava numa boa...
- Conversado? Mas como assim?
- Ora, você pagava um por fora. Você ia economizar o quê? Uns duzentos, trezentos reais. Além da dor de cabeça...
Onófrio olhou para Jorginho, olhou para mim, que prestava atenção na conversa sem disfarces, voltou a olhar para o contabilista e balbuciou:
- Mas...
Percebi logo o que ele queria dizer com esse "mas". Percebi também que Onófrio tinha entendido que não adiantava nada explicar para Jorginho a contradição de seu pensamento.Também havia percebido que não adiantava nada pregar uma lição de moral e que poderia perder o amigo... e o cliente. Creio que estou sendo severo com meu amigo Onófrio, mas ele, sempre que podia, evitava entrar em conflito com seus amigos e clientes...
- Veja bem, Onófrio - continuou Jorginho -, você é uma pessoa boa, ingênua, acha que todo mundo segue as mesmas regras. Às vezes, é bom ser esperto. Ser trouxa todo mundo é, em princípio. A gente tem que usar as armas que nos dão... Vou mostrar como faço isso lá na contabilidade. Você vai ver que pode economizar um pouco nos impostos que paga...
Pedi licença, pois estava na minha hora. Só vi na cara do Onófrio toda a estranheza do honesto, do homem seguidor das leis. Talvez eu tivesse que me manifestar, falar que era um absurdo, que pagar propina era um ultrage...
Mas, pensei cá com meus botões, iria adiantar alguma coisa?

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